Freebike

América do Sul em Bicicleta

As Histórias sobre rodas de uma Portuguesa

1. Equador
O Quito é uma faixa urbana estreita que se estende por mais de 60 km, apertada pelos vulcões e as montanhas que a rodeiam e onde a arquitectura colonial se sobrepôs à arquitectura Inca. Quando vi estas montanhas e os declives das suas encostas questionei se a bicicleta seria a melhor forma de transporte para as percorrer. Lembro-me que no dia da saída estava tão nervosa que a bicicleta tremia por todo o lado e a carga que levava parecia-me excessivamente pesada.

As primeiras semanas de ciclismo foram duras e raramente interessantes. Dezembro coincide com a estação das chuvas, e os primeiros quilómetros foram percorridos na Pan-Americana, que para além do tráfego pesado não oferecia vistas dignas do esforço. Era suposto estar a pedalar na Avenida dos Vulcões, mas a chuva e as nuvens não permitiam o privilégio de avistar os colossos fumegantes que só em raras ocasiões se revelaram.

A rota no Equador levar-me-ia a atravessar a cordilheira Andina até ao Peru. Do Quito passei por Latacunga, Ambato, uma cidade caótica onde cheguei debaixo de chuva intensa mas onde no dia seguinte pude visitar o mercado colorido e conhecer outro ciclo-turista da Alemanha e trocar informações, Riobamba, uma cidade que celebrava com festejos carnavalescos a chegada do Natal, Alausi, pequena vila metida entre as montanhas que recebe milhares de turistas ávidos para percorrer os seus desfiladeiros num assombroso percurso de comboio, Cañar, a capital da cultura Pré Inca dos Cañares e onde se encontra a cidadela Inca de Ingapirca, a mais bem conservada no Equador, Azogues e a sua catedral altaneira, Cuenca a cidade mais bonita do Equador, com as suas ruas vestidas de arquitectura colonial e a sua atmosfera cosmopolita, aí passei várias semanas aguardando os meus cartões extraviados, e a caminho de Macará já na fronteira com o Peru, uma cidade de faroeste poeirenta e feia, passei por uma zona ecológica única no mundo, uma selva semi-seca onde abundam árvores com formas bizarras, mas onde o solo é seco, amarelo e montanhoso.

Ficou por ver a costa e a selva, mas em bicicleta é difícil percorrer todo um país, sobretudo quando isso significa um sobe e desce constante. Neste percurso recordo sobretudo o acampamento na base do Vulcão Chimborazo, o mais alto do Equador e o desvendar dos andes equatorianos que são um mundo à parte, um mundo onde as tradições permanecem fortes, onde os trajes típicos dão cor ao verde das montanhas, onde os mercados transbordam de frutas e vegetais exóticos. As pessoas são acolhedoras, sobretudo quando te vêem monte acima com a bicicleta carregada.

E há muito que subir, o passe mais alto foi aos 4390 metros e aí o oxigénio já não satisfaz os pulmões, o frio congela até o pensamento. Na cordilheira andina há muitos locais para acampar e desfrutar a paisagem, que estando tão perto da linha do Equador, é verdejante e fértil, acima dos 3000 metros de altitude as inclinações das montanhas desafiam as leis da gravidade, mas durante as minhas pedaladas pude ver os campesinos nos seus trajes coloridos e os seus animais, confirmando que aquelas plantações são obra humana.

E há cidades para dar descanso aos músculos e oferecer uma cama quente ao corpo cansado. O Equador é por excelência um país montanhoso, mas também com muitos contrastes entre as suas diversas regiões e não posso deixar de sentir que é também um país exótico e latino, mesmo a 4000 metros de altitude, é o único país atravessado pela linha que divide o mundo ao meio, onde se pode encontrar neve, mas também selva e áreas secas, e isto atesta a sua diversidade paisagística. Foi com muita tristeza que deixei o Equador, aí tinha ultrapassado grandes desafios físicos e mentais, feito amigos e desfrutado de paisagens únicas, foram 59 dias, 20 dos quais sobre a bicicleta com 985km percorridos e um desnível total de 27.697 metros , que aventuras me aguardariam no Peru?

por Joana Oliveira

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publicado a 8 de Agosto de 2008

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